Festa de Iemanjá
Festas populares

Festa de Iemanjá – Salvador / Bahia

Aparentemente, a Festa de Iemanjá, ocorrida anualmente na cidade de Salvador, na Bahia, no dia 2 de fevereiro, no bairro do Rio Vermelho, pode ser resumida em um rito: os pescadores oferecem um presente àquela que é considerada a governante do mar, ou rainha do mar. Mas da madrugada até às 16 horas, momento em que o barco leva a escultura com os agrados que possuem natureza reservada ao campo dos segredos do candomblé, cabe uma diversidade caleidoscópica dentro deste evento, que é uma festa com perspectivas múltiplas, como indica as análises dos atuais estudos da antropologia da festa.

A Festa de Iemanjá, portanto, comporta na madrugada do dia 2, o presente para Oxum no Dique do Tororó, uma área localizada a cinco quilômetros do Rio Vermelho. Mas também a chegada do presente principal – a escultura onde está o agrado dos pescadores – por volta das cinco horas da manhã à sede da colônia de pesca. A partir daí, enquanto devotos fazem filas para entregar suas ofertas no espaço preparado especialmente para recebê-las em balaios que serão levados nos barcos que seguem a procissão principal, o entorno da Casa do Peso é tomado por uma profusão de manifestações culturais.

A respeito da data de realização da celebração, segundo o historiador Jaime Nascimento, poucas pessoas sabem que a escolha tem origem conturbada. “Existia um presente para Mãe D’Água, que surgiu após um dos pescadores consultar os búzios para entender a falta de peixes e na mesma época havia uma festa para Nossa Senhora de Santana no bairro. Os pescadores iam à igreja para abençoar a pescaria. Em um dado momento, cada um foi para o seu lado e a festa de Santana voltou a ser celebrada em julho, como prevê a Igreja Católica”.

Marca cultural brasileira, o sincretismo religioso, que associa santos a orixás, desaparece nos festejos que saúdam Iemanjá, que datam do decorrer do século XIX e eram realizados em diversos lugares da cidade de Salvador. Diferente de outras festas religiosas populares da Bahia, a divindade africana é cultuada sem correspondentes na Igreja Católica, como aparece com a festa de Nossa Senhora da Conceição da Praia (relacionada a Oxum) e do Senhor do Bonfim (associado a Oxalá). O historiador Rafael Dantas destaca que as celebrações do 2 de fevereiro ganharam popularidade no século XX, nas décadas de 40 e 50. “Além da força das tradições religiosas ligadas ao candomblé e seus seguidores, muitas personalidades, políticos, artistas, estudiosos e intelectuais, entre eles Pierre Verger, passaram a destacar a importância da festa”, pontua.

 

 

O simbolismo está bastante presente na celebração. Um deles é a figura da mulher com rabo de peixe, que sempre exerceu fascínio e curiosidade entre muitas pessoas e é daí que o historiador Jaime Nascimento acredita que a festa tenha caído também no gosto popular. “Nas três culturas, temos a mulher que tem o rabo de peixe. Na cultura europeia, há a sereia como divindade que seduzia e provocava a morte dos marinheiros, há a Iara para os povos indígenas a Iemanjá para a cultura africana”, pontua. A incorporação de elementos religiosos ligados ao orixá gera divergências.

Questionado se a prática, sobretudo em função da moda, pode ser considerada profanação, Nascimento pondera. “Quando na moda usam a sereia, dentro da ideia europeia, de figura mítica, tudo bem. Ali não há relação com a religião. É diferente de Iemanjá que tem um viés religioso e as pessoas não podem ficar brincando com isso. Há uma culpa do povo do candomblé que permite que essas coisas aconteçam, desde as apresentações folclóricas, até pessoas vestidas como orixás recepcionando pessoas em portas de hotel. Não é um extremismo, mas a liberdade de expressão tem esse limite de não mexer com o sagrado do outro”, alerta o especialista.

Para a jornalista e doutora em antropologia, Cleidiana Ramos, a Festa de Iemanjá é um caldeirão multifacetado, mas, sobretudo um monumento à resistência das devoções que nascem do povo. Iemanjá, para o povo de candomblé, é “a mãe do mundo”. Portanto, não é estranho que em sua festa caiba um mundo de possibilidades e sensações.

 

 

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Crédito da imagem de capa: Marina Silva/Arquivo CORREIO